domingo, 30 de maio de 2010

Rimando contra a maré - Rhyming against the tide



Sempre perdendo o pé...
rimando contra a maré...

Mizangala

domingo, 23 de maio de 2010

Banha da cobra computadorizada - Computed panacea



Quando eu era miúdo, a feira de São Martinho exercia sobre mim um enorme fascínio. Retenho na memória o ritual da fotografia de família tirada ao lado da floreira na barraca convertida em estúdio fotográfico, a magia das cornetas de barro donde colegas meus da escola primária arrancavam sons que eu nunca consegui imitar, a atracção das bolas de borracha que nunca tive para substituir aquelas que fazia com meias que pedia a minha Mãe, a papalvice daqueles que se deixavam ludibriar em jogos de cartas enganosos em cima de chapéus de chuva abertos... e, sobretudo, a espantosa verve dos vendedores de banha de cobra, a que não faltava a dita enrolada ao pescoço, que promoviam um líquido de cor duvidosa a remédio milagroso para qualquer doença.

Hoje, quase 50 anos depois, a banha de cobra vende-se nas grandes cidades sob uma forma diferente, mais sofisticada, metendo até computador! O panfleto, que encontrei na caixa de correio, reza assim:

Aos doentes que sofram de: tonturas; esquecimentos; sensação se movimentos no cérebro; zumbidos e outros sons nos ouvidos; moléstias esquisitas no céu-da-boca e garganta; problemas e dores nos peitos; insensibilidade, frigidez, impotência; ejaculação precoce; próstata; fibromioma; dores e outros problemas de ovários, trompas, vagina, etc.; impossibilidade de engravidar; tumores; esgotamento cerebral e stress; colite nervosa; queda do cabelo; inchaços dos pés e outros; mareios e desmaios; fraquezas gerais; depressão; tremuras; dores e outros problemas de coluna; operados que sentem as queixas voltar; tensão arterial baixa, alta ou inconstante; epilepsia; diabetes; insuficiência e outros problemas renais; prisão de pernas, braços, cãibras, ciática e outros problemas musculares; asma, bronquite, outros respiratórios; reumático e descalcificação dos ossos; celulite; inadaptação aos medicamentos; alergias, vitíligo e outros problemas de pele; picadas, dores, calores ou outras moléstias que dão sensação de movimento no interior do corpo; insónias, dormir inconstante; moleza e sonolência constante; prisão de ventre, úlcera e outros gastrointestinais; problemas de fígado, rins, vesícula e baço; alterações na cor da urina ou com sangue; sensação de ver ou ouvir coisas inexistentes; vertigens; bloqueios; moléstias da menopausa; enxaquecas; claustrofobia; medo a velocidade, pessoas, animais, altura, escuridão e outros; isolamento voluntário; lentidão exagerada nos actos; problemas circulatórios, colesterol; taquicardias e picadas no coração; gota e lumbago; sensação de muito frio ou muito calor nas mãos, pés e outros; problemas de crescimento, aprendizagem e conduta; Parkinson; angina de peito; aterosclerose; azias; bócio; cataratas; incontinências; enjoo; esquizofrenia; sinusite; hemorroidal; seborreia; sonambulismo; tosse nervosa e cancro; ... (uf!) ... o Instituto XPTO (chamemos-lhe assim) anuncia que tem o único dispositivo computadorizado disponível na Europa capaz de resolver estes casos de saúde, com base na detecção das insuficiências auro-bio-energéticas que impedem a cura das doenças pelos métodos convencionais. Só há um pequeno problema: os doentes têm de apressar-se a ir à consulta, porque está prevista para breve a saída do dispositivo para a América Latina para ajudar a debelar uma epidemia de cólera!

Ando com uma unha encravada e um calo assanhado. Como estes males não constam da lista, estou a pensar em ir este ano à feira da Golegã...


Eduardo Martinho

1992

domingo, 16 de maio de 2010

A Avó - The Grandmother




A imagem da avó, se bem que esbatida, continua presente. Revejo-a no modo terno como me acarinhava e lembro-a no seu jeito pesado, de se deslocar pela casa, roupas escuras que sempre lhe conheci e os hábitos familiares e rotineiros que cumpria com rigor e sem queixumes. Está junto ao fogão de lenha, desfaz pacientemente o feijão que servirá para a sopa (num passador, ela deita o feijão cozido e, com pancadas ritmadas, tenta desfazê-lo com uma colher de pau), sem pressas. Olho-a extasiada! Nem sequer posso ajudá-la; a colher é muito grande e é preciso bater com força. Lembro-a sentada a engomar, o ferro pesado, a carvão (sentada, porque corpo doente lho não permitia de outro modo). E nas épocas festivas, confeccionando as broas e os coscorões - tudo colocado na mesa comprida e escura da sala.
Às quintas-feiras, pontualmente , chegavam para o jantar os filhos já casados, as noras, os genros e os pequenos. Quantas brincadeiras à volta dos pontapés que dávamos uns aos outros, por debaixo da toalha. E os nossos pais, que nos lançavam olhares reprovadores! O avô mantinha, lá no topo, uma presença austera, mas era quinta-feira… Nós sabíamos bem que isso nos era permitido e mesmo recusar a sopa, se por acaso nos agradava menos. O sorriso do avô, só para nós e às quintas-feiras. Grande festa!
Vem-me à memória os anos 43 ou 44, com o racionamento de alguns géneros alimentícios. Se bem que nos não tenha afectado, porque o avô fiscalizava o mercado municipal e vinham todos os dias as alcofas repletas de tudo muito fresco, apenas eu o sentia no rebuçado ou na colher de mel que a avó colocava no fundo da minha caneca para adoçar o leite com café. É que o leite continuava bem amargo e eu reclamava sempre. Nos tempos livres a avó tricotava, em fio de algodão, lindas meias rendadas para os netos. Usava cinco agulhas muito finas de metal, cujo tilintar e arte no manejo me causava sempre grande surpresa. Nos momentos menos bons ou nos dias de temporal, ela recolhia ao quarto e rezava diante do grande oratório, suspenso numa das paredes e no qual se misturavam imagens de santos de aspecto mais ou menos triste, flores secas e pavios que, alimentados a azeite, emprestavam ao ambiente um cheiro não muito agradável. No conjunto, e para mim, era um local misterioso e sinistro. Detestei sempre o velho oratório!
A avó acompanhou entusiasmada a minha entrada na escola primária. Esmerava-se nas minhas batas, sempre lindas, e destinara em casa, num cantinho, uma secretária para os meus afazeres, que os tínhamos nessa altura e em quantidade, todos os dias.
Cresci com ela até aos nove anos. De repente, a avó ficou muito doente. Ninguém me preveniu, mas eu sabia que ela ia deixar-nos. Sentava-me junto dela o tempo todo. Quiseram afastar-me. Recusei. Levaram-na numa tarde de sol. Seguiram-se noites de pesadelos e mágoa. Com muita dificuldade, retomei naquela casa o meu lugar, agora sem ela.

Maria da Piedade Pinheiro
1992

domingo, 9 de maio de 2010

O Telefone preto - The black Telephone



Triste andava o Telefone preto
do senhor Carreto...
Fora desligado
e no armazém ficara guardado...
Dias sem fim passaram
os ventos mudaram
e, agora feliz, o Telefone preto
do senhor Carreto
(disse um passarinho)
todo se consola
pois foi instalado
lá no Jardim-escola...
Entre jogos e danças
sardas e tranças
transborda carinho
e está rodeado
por tantos amores...
Vinte e três crianças
e dois professores...

Mizangala

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Noeme - Noeme


A Casa de Pedra, em terra encantada
ao luar foi semeada...
Regada com Amor
da pedra se fez flor...

Mizangala