segunda-feira, 29 de março de 2010

Tempo de amizades - Time of friendship



Com a aproximação do mês de Agosto, agitava-se a vida lá em casa. Todos preparavam as férias com entusiasmo. As crianças idealizavam, há tempo já, as primeiras brincadeiras de Verão na praia, com a areia e os banhos. Tinham saudades daquele mar quase sempre «indisposto», mas belo.

O senhor João vinha buscá-los cedo no primeiro dia de Agosto, para os levar no seu táxi. A bagagem acumulava-se no átrio. A mãe preparava as roupas e... tudo o mais, enquanto o pai dava sugestões no meio daquela azáfama. Para os pequenitos, o mais importante era não esquecer o saco com os baldes, as pás, as formas, as bolas e os livros.

Foi assim durante anos. Na pensão onde se acolhiam, a D. Conceição recebia os hóspedes com grande afabilidade. Que boa comida fazia o velho cozinheiro (ai, aquelas conchas recheadas!). O seu grande chapéu branco espantava e divertia os mais pequenos. Após o jantar, enquanto o sol se escondia, as crianças organizavam ainda, apesar do cansaço, os últimos jogos e correrias. Os pais cavaqueavam na varanda ou na sala de entrada. junto ao velho piano. Televisão não havia, felizmente. Tempo bom de lazer! Recolhiam cedo. «Quem acordar primeiro, chama os outros, combinado?» - cochichavam os miúdos.

As brincadeiras com as caricas, as lutas com as almofadas ao fim do dia, a caça aos peixinhos junto às rochas (que eram devolvidos ao mar, diga-se), tudo pertence ao passado. Eles e os amigos cresceram e foram-se dispersando.

Mas os pais voltam sempre que podem, à praia. De quando em quando juntam-se aos filhos e os amigos de todos aparecem também. O reencontro é sempre motivo de alegria.

Esses foram, sem dúvida, tempos bonitos de amizade.


Maria da Piedade Pinheiro

Março 1990


segunda-feira, 22 de março de 2010

O Telemóvel moderno - The modern Cellphone


O Telemóvel moderno
treme no Verão e Inverno...
Se o molhas, não sintas mágoa
pois é todo à prova de água...
Se te cai, não fiques triste
(a qualquer choque resiste)...
Apita, ladra, buzina,
zurra, canta melodias,
e ouvir pois, é nossa sina
nas tardes, noites e dias
os seus ecos radiofónicos
e mil toques polifónicos...
Sabias, que tira fotografias?
Que se liga à Internet?
Que em qualquer bolso se mete?
Que tem rádio-despertador?
Capas de qualquer cor?
Dá horas e temperatura?
Profundidade e altura?
Televisão, calculadora?
GPS e impressora?
Computador, gravador?
A data, a rede e bateria (quem diria...)
Máquina de filmar?
Lanterna para alumiar?...
Mas olha... uma só coisa te peço
(vamos ver se não me esqueço)...
com tanto para experimentar
lembra-te de telefonar!!!

Mizangala

segunda-feira, 15 de março de 2010

O Anel - The Ring


Trocámos esperanças e Alianças
em dia de Casamento
e a Princesa prometida
pôs-me o Anel num momento
para lá ficar toda a vida...
Foi o primeiro que usei...
Sufoca o dedo? (Não achei)
Faz alergia? (Não me parecia)
É pesado? (Não me sinto cansado)
Finalmente...
É opulento, faustoso?
Não, discreto mas sempre presente...
com ele e com a Noiva estou muito contente...

Mizangala

domingo, 7 de março de 2010

Postal de Santa Cruz - Postcard from Santa Cruz


Meu caro Amigo

Como sabes, estou a passar férias em Santa Cruz, este ano "praia da CEE"! Para aqui vim há 23 anos, com a família, ainda não era nascida a Isabel, e por cá fiquei. Hoje, que decidi escrever-te, dei comigo a pensar: como isto mudou! Não me perguntes se é melhor ou pior. É diferente. A seta do tempo é irreversível e contra ela não se pode lutar, não é?
A pequena história do que por aqui se passou entretanto poderia começar assim:
Era uma vez uma povoação, a 15 quilómetros de Torres Vedras, em direcção ao mar: terra calma, de casario baixo e gente simpática...
Aí se vinha passar o tempo de Verão, recuperar forças. Cheirava a mar pela manhã na Meia-Laranja, a vista varrendo o extenso areal desde a Riba Amarela até para lá da Praia do Navio. Por detras do Penedo do Guincho, adivinhava-se a Praia Formosa, que foi onde tudo começou, segundo dizem os mais velhos. As barracas, poucas, vinham até ao enfinamento das "rochas", ou pouco mais. Na maré-baixa, os apanhadores do polvos faziam o sobe-e-desce nas grandes pedras semeadas na areia, avançando com decisão de toca em toca, de becheiro em punho. Para a Praia do Norte descia-se por uma escada de madeira, corrimão improvisado, toda ela tremendo à nossa passagem. Desembocava na tasca do Bigodes, cabana feita de tábuas e caniços, onde se comiam tremoços a acompanhar o tinto da região. Para os miúdos, havia pirolitos.
Era uma vez uma povoação calma...
A quietude e o silêncio dominavam. Podíamos encontrar-nos connosco próprios em qualquer momento, era só querermos. Não havia "boites", nem jovens a gritar pelas ruas às três horas da madrugada à saída das discotecas. Não havia motoretas infernais, nem outros desassossegos. Nas noites mais amenas, dava-se uma volta, tomava-se um carioca de limão na Havaneza e conversava-se com os conhecidos, que eram todos. Regressava-se cedo a casa, com os grilos já em grandes cantorias, alguns atravessando pacatamente as ruas. Nos fins-de-semana, e pelo 15 de Agosto, tocava a Banda dos Bombeiros num coreto improvisado na praia, ou na rua da Estalagem, e havia bailaricos populares.
Era uma vez uma povoação de casario baixo...
Nesse tempo, não havia mamarrachos de vários andares, em pleno centro de Santa Cruz, estrangulando ruas e aniquilando casas típicas e vivendas (negócio que continua a florescer!). De todo o lado se via o mar. Hoje, só o entrevemos a espaços. O pôr-do-sol e a estrada de luz que deixava na água, vistos da Pensão Miramar, eram um deslumbramento sempre renovado. Agora, é um desalento, só comparável ao do terraço de onde não se "mira" mais do que a empena de um prédio a ele encostado! Quanto à Pensão Oceano, que se alongava pelas escadas que iam dar ao Casino, deixaram-na apodrecer e acabaram por desmoroná-la. Em seu lugar vão crescendo ervas no interior do espaço protegido por tapumes. Até quando? E o que irão lá construir?
Era uma vez uma povoação de gente simpática...
Recordo a tia Angelina das pevides, a bonomia no rosto engelhado, palmilhando a areia a custo. Cedo deixou de aparecer, coitada, que os anos já pesavam.
Lembro-me da mulher das farturas, baixa e forte, que nos procurava a horas certas. Assente o cesto no chão, logo a miudagem se juntava à volta do seu sorriso familiar. Para os que não podiam comprar, havia sempre um bocado de frito. "É pr'ó miúdo não augar", dizia ela.
"Há banana a seis a dúzia!", ouvia-se, vinha ela ainda longe. Voz estridente e passo cadenciado, passava ao fundo das filas, do lado do mar, olhando na direcção certa, à procura do sinal dos clientes. Nessa altura, não tinha ainda a venda no mercado novo, nem as bananas eram a 200 escudos o quilo. Como os anos passam depressa!
Quem não conhecia a Romana? Na pequena papelaria, onde hoje é o ArDeBar, havia de tudo, ou quase... e, sobretudo, uma simpatia humana enorme (como ainda hoje, felizmente, agora em frente da Boutique 81). No meio da venda dos jornais, o Zé Alfredo conta(va) histórias de pesca... "Oh amigo, olhe que você aqui não consegue apanhar peixe. Com um anzol desse tamanho, só se for para os Açores, para a pesca da baleia!".
Gente simpática a do Oeste, e confiante. Os pequenos comerciantes, mesmo sem nos conhecer, não hesitavam: "Não tenho troco de cem. Paga depois".
Ainda hoje me impressiona a filosofia do vendedor de fim-de-semana a quem eu queria comprar um chapéu de Sol. "Guarde-mo, que eu vou buscar dinheiro", pedi-lhe. "Leve o chapéu, senhor. Paga quando por cá passar", disse-me o homem. Perante a minha surpresa, insistiu: "Leve o chapéu! Se não aparecer para pagar?, olhe, o senhor não fica mais rico... e eu não fico mais pobre...".
O postal vai chegando ao fim, meu caro. Assinalo apenas que Santa Cruz tem sido, ao longo do tempo, terra querida de gente ilustre, como foi o caso de João de Barros (1881 - 1960). No monumento que erigiram em sua memória, pode ler-se esta bela homenagem de Ferreira de Castro: "No Verão um grande poeta vinha contemplar o Atlântico de sobre estas arribas. Dedicara a vida a unir ainda mais a alma de Portugal à do Brasil, através do mar que ele amava desde menino. Na sua obra de esplendecente beleza cantava a liberdade e a fraternidade, as virtualidades do Homem e o futuro redimido de velhas servidões. Chamava-se João de Barros e foi também um preclaro cidadão desses que honram eminentemente a espécie humana".
Pena é que rareiem homens desta estirpe!
Um abraço. Até sempre.

Eduardo Martinho

Agosto 1988