domingo, 31 de outubro de 2010

Às avessas - Inside out


Beijei um príncipe
transformou-se num sapo.
Beijei o sapo
nadou um girino.
Dei-lhe um beijinho
ficou pequenino
e voltou a viver
dentro do ovinho.

Teresa Martinho Marques

domingo, 24 de outubro de 2010

O Extraterrestre - The Extraterrestrial



Cantava o rouxinol-mestre
quando a nave extraterrestre
surgiu do nada
e, bem iluminada
aterrou de mansinho
por entre fumos cor de linho...
Abre a porta de serviço
e sai um ente esverdeado
com a forma de chouriço
de crânio liso insuflado
salpicado por antenas
que não devem ser apenas
ornamento tresloucado
apêndice ou camafeu
mas talvez, suponho eu
meio de telepatia
televisão, radiofonia
ou, se não me levam a mal
no seu longínquo planeta
um chamariz sexual...
Grandes olhos, íris preta
inspirou profundamente
doce golfada de ar quente
perfumado e tão diferente
do que tem na sua origem
na constelação de Virgem...
Com os dois dedos da mão
afaga, brinca com as flores
deita-se, rola no chão
sente a erva e o sossego
sente o verde e as outras cores
onde pastava um borrego
branco, fofo, imaculado
que olha para ele, admirado...
Voa o tempo e nasce o dia
batem-lhe os raios de sol
na careca luzidia
sinfonia em lá bemol
que o confunde, que o encanta
e a solidão espanta
(sofrendo só em pensar
que ao Espaço tem que voltar)...
Contorceu então a boca
fazendo careta louca
e desse esgar, se fez sorriso...
entendeu o que é preciso...
O Cosmos, frio e distante
deixou de ser importante
decidiu... vai desertar
da Frota Inter-Estelar...
O Extraterrestre
agora, no espaço campestre
de cérebro superdotado
está feliz, modificado
saiu da sua redoma
e disse em bom português
(pois fala qualquer idioma)
certinho, de uma só vez
com sotaque, claro está:
"Não volto, fico por cá!!!"

Mizangala

domingo, 17 de outubro de 2010

O sabor... - The taste...


O sabor das palavras
chega
devagarinho...
Sabe a ave?
Sabe a ninho?
Sabe a letras
algarismos
(o um, o dois, o três...)?
Sabe a era uma vez?

O sabor das palavras
sabe ao que o sonho sabe?
Sabe a Alice ou a fada?
Terá o sabor de tudo
sem se parecer com nada?

O sabor das palavras
sabe a saborear
os sabores que elas têm
quando resolvem brincar
espalhar contos pelo ar
ou se deixar escrever?

Sabe o sabor das palavras
ao perfume de crescer?
Ao gostinho saboroso
que tem as palavras ler?

Ou tem o sabor de segredo
que vai deixar de o ser?

Teresa Martinho Marques

domingo, 10 de outubro de 2010

As lições doJoaquim ou a importância dos pequenos nadas - Joaquim's lessons or the importance of little details



O Joaquim era o meu companheiro preferido de brincadeira, em tempo de férias da escola primária. Com ele calcorreava a quinta onde moravam os meus avós paternos, no Pinheiro Grande, que foi palco das mais excitantes descobertas e aventuras da minha meninice. A propriedade era pertença do senhor David Salgado, conhecido farmacêutico na Golegã, que ali vinha passar fins-de-semana e períodos de férias com a família.

Com o Joaquim aprendi a armar ratoeiras, a fazer fisgas com elásticos e couro flexível montados num pedaço de ramo em Y, e a construir armadilhas, com bocados de cana presos com guita, para caçar melros e tordos vivos, sendo o engodo as lagartas que ele desencantava com perícia nos caules do milho.

No tanque que ficava no cimo da encosta, já a caminho da charneca, observávamos deliciados o verde mesclado e brilhante das rãs e, coisa espantosa, impressionavam-nos os insectos que deslizavam à superfície da água, por impulsos descontínuos, apoiados nas patas, cujas extremidades pareciam ter almofadas flutuadoras. Era aí também que púnhamos a navegar os pequenos barcos construídos com casca de pinheiro, que se deixava facilmente moldar com o canivete ¾ recordo-me que, na fase dos acabamentos, esfregávamos as partes a bolear nas paredes de cimento do tanque, que era a lixa que tínhamos à mão.

À hora da merenda, subíamos a uma nespereira enorme, inclinada sobre uma courela, que ficava próximo do canavial onde pernoitavam bandos infindos de pardais barulhentos. Ou, então, descíamos à várzea, para saborear as ameixas mais perfumadas que já conheci. Outras vezes, respondia ao chamamento vindo de baixo, gritado da eira onde guinchava a máquina de descarolar o milho e se ouvia o bater compassado dos manguais, entremeado com a vozearia dos homens atarefados na debulha do feijão. Pão com queijo e uma pinga de café adoçado com mel de cortiços caseiros, era o tipo de mimos com que a avó Engrácia me apaparicava.

Guerras também as fazíamos, naquele tempo. O Joaquim era um especialista no fabrico de armas de arremesso. Uma delas era feita com um tronco direito de sabugueiro, a que se retirava o miolo, onde trabalhava um êmbolo feito à medida, em pau de marmeleiro: os projécteis eram pequenas rolhas de cortiça colocadas nas extremidades do tronco, que saíam com estrondo sob a pressão do ar. Numa outra arma, mais sofisticada, que até tinha gatilho, o Joaquim utilizava como espingarda um bocado de cana grossa com cavidades judiciosamente abertas, onde encaixava um ramo de marmeleiro dobrado: aqui, as balas eram pequenos canudos de cana fina colocados no interior do cano, encostados ao gatilho; desprendido este, lá voava o projéctil em direcção aos soldados alinhados nas trincheiras, feitos igualmente com canas.

Foi em casa do Joaquim que vi, pela primeira vez, fascinado, uma cultura de bichos-da-seda. E aí fui iniciado na lógica do raciocínio dedutivo. Face à conversa dele, peguei num casulo e afirmei, convencido: “Mas isto não pesa nada!”. O Joaquim olhou-me calmamente e corrigiu: “Repara que nada mais nada é igual a nada, e eu tenciono vender os casulos ao quilo...” Inesperadamente, eu acabara de tomar consciência da importância dos pequenos nadas. E mais: que era preciso atender às leis de conservação universais que regem as ciências experimentais, como a Física ¾ mas isso só o compreendi, verdadeiramente, muitos anos depois.

Interrogo-me hoje até que ponto me terão influenciado as brincadeiras com o notável Joaquim, que comigo partilhou fraternalmente a sabedoria adquirida com inteligência no contacto com a Natureza. Quem pode prever o destino das sementes caídas no terreno da infância?

Eduardo Martinho

Março, 1995

domingo, 3 de outubro de 2010

O burro do Moleiro - Damn miller



O burro do Moleiro
trabalha o dia inteiro...
O burro do moleiro
não vai em lérias
não faz férias...
O burro do Moleiro
vem do moinho
subindo, descendo encostas
derreado, cansadinho
com a saca de farinha às costas...
Já o pai, Moleiro e burro também
não pedia ajuda a ninguém...
Porque é que o burro do Moleiro
que trabalha o dia inteiro
e é casmurro
não compra um Burro?...

Mizangala