domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Enigma da Virgulação - Coma's enigma



Era uma vez uma vírgula bem colocada num texto, algures num decreto-lei. Não tinha bem consciência do seu valor. Dizia-se, porém, que tinha sido debitada por um ministro, pela módica quantia de 120 mil contos, numa folha de papel timbrado, daquelas que são, ou deviam ser, “A Bem da Nação”. É verdade que se sentira lisonjeada por ter sido desenhada por uma Parker dourada, mas, à parte isso, era uma vírgula modesta, bem comportada, que desejava apenas que a deixassem sossegada.

Estava a pobre coitada no tranquilo desempenho da sua função, quando, de repente, citada na televisão por uma jornalista e retomada depois num jornal pela pena de um deputado, a vírgula saiu inesperadamente do anonimato, tendo sido catapultada da sua condição de insignificância para a posição de autêntica vedeta do PdB (sigla de País das Bananas, onde se passou esta história). [É claro que uma tal projecção fez com que muitos ficassem roídos de inveja, com a ciumeira própria dos ignorados. Cada um manifestou-se à sua maneira: os estupefactos alinharam com os pontos de exclamação, os incrédulos juntaram-se aos pontos de interrogação e os peremptórios fizeram coro com os pontos finais.]

Não fosse o diabo tecê-las, o Grande Chefe levou duas semanas a abalançar-se na denúncia pública do perigo que seria deixar pairar a dúvida sobre a credibilidade das vírgulas nos decretos-lei do seu país. Compreende-se a hesitação: aquela vírgula poderia ser um trunfo para, ou contra, os adversários. Ganha a necessária afoiteza, foi anunciado aos quatro ventos: “É preciso esclarecer o caso da vírgula!”.

Entretanto, os PdBeses, que, apesar de serem um povo sofrido, tinham um grande sentido de humor, foram-se a elas, às vírgulas, e foi um regalo. Houve de tudo na brincadeira. Glosaram-nas em todos os tons, escreveram artigos, alguns sem pontuação (como fazia a Guidinha, nas suas redacções de boa memória), inventaram anedotas, compuseram cantigas, eu sei lá. Se tivesse sido dada uma ordem ao Banco Central das Vírgulas para lançá-las no mercado para regularizar o sistema, a inundação não teria maior.

Quanto aos partidos políticos representados no Parlamento, uns eram de opinião que se devia ir à procura da vírgula, e mesmo de outras vírgulas malparadas, outros manifestavam a sua perplexidade perante tanto zelo neste caso e o deixa-andar-Maria-vai-com-as-outras noutros casos virgulentos, e os restantes entendiam que o Parlamento não devia lançar-se em correrias atrás da primeira vírgula que lhes pusessem à frente. Por fim, os parlamentares acordaram na ideia altamente original e inovadora de criar uma comissão para deslindar o mistério. Sabe-se que foram distribuídas lupas pelos membros da Comissão de Inquérito à Vírgula. Ignora-se o resto.

Tudo indica que esta história, como outras, terminará bem. Provavelmente a vírgula casa-se com um ponto, têm um filho, o ponto e vírgula, e são felizes para sempre.

Eduardo Martinho
Março 1993


domingo, 13 de fevereiro de 2011

Sonhos - Dreams


Às vezes os pensamentos
vão muito depressa
à nossa frente.
Os olhos no ar
e os pés atrás
só a tropeçar.

De mão estendida
quero agarrá-los...
Não se deixarão
eles apanhar?

Será que são gaivotas?
Sonhos a voar?
Palavras que ninguém
consegue encontrar?

Teresa Martinho Marques

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A Caixa de Fósforos - The Box of Matches



Eram cem
e perfilados
à espera de ser queimados...
Eram cem
e quem os tem
já pode acender o lume
(como de resto é costume...)
Eram cem
na sua caixa alinhados
(quem lá vem?)
um a um são dizimados...
Eram cem
(como convém)
e ficam sem
a cabeça de repente
(não é de ficar contente)...

Mizangala